Quando
a terrível Segunda Guerra se encontrava em ascensão, o líder indiano Mahatma
Gandhi fez o possível para evitar que o pior se sucedesse. Tanto que a chamada
“grande alma” escreveu uma carta ao “dear friend” Adolf Hitler, em tentativa de
se comunicar com o mesmo e convencê-lo de que não era o melhor caminho arrastar
a humanidade para um conflito que futuramente objetivaria aniquilação total.
Cerca
de duas cartas foram enviadas ao líder nazista alemão, a primeira, em 23 de
julho de 1939, e a segunda, em 1941. Num trecho da primeira carta, Gandhi havia
afirmado que Hitler “era o único homem no mundo que poderia evitar a guerra”. A primeira carta não surtiu nenhum efeito sob
Hitler. Após alguns meses, o alemão assinou o pacto de não agressão com a União
Soviética, invadiu a Bohêmia e a Moldávia e em seguida foi para a Polônia,
deflagrando de vez a Segunda Guerra Mundial.
Em
seguida, uma foto da carta real, e suas traduções:
"Caro Amigo,
Amigos têm insistido que eu lhe escreva para o bem da
humanidade. No entanto, eu tenho resistido ao pedido deles, porque sinto que
qualquer carta vinda de mim seria importuna. Mas algo me diz que eu não devo
hesitar e que devo fazer meu apelo, qualquer que seja seu valor.
Está claro que você, hoje, é a única pessoa no mundo que pode
evitar uma guerra capaz de reduzir a humanidade ao seu estado mais selvagem.
Você deve pagar o preço de algo, por mais valioso que pareça ser? Você ouvirá o
apelo de alguém que, deliberadamente, deixou de lado os métodos de guerra e
obteve um sucesso considerável? De qualquer forma, peço desculpas antecipadas,
caso tenha errado em lhe escrever.
Continuo, O seu amigo sincero, M. K. Gandhi."
Uma segunda
carta de Gandhi foi enviada ao líder alemão em 1941. Em um texto bem mais longo
e com um apelo muito mais forte, o líder indiano clamava que Hitler parasse com
a guerra e que, no final, vencedores ou não, todos perderiam. "Seus
próprios escritos e pronunciamentos e os de seus amigos e admiradores não
deixam margem para dúvidas de que muitos de seus atos são monstruosos e
impróprio da dignidade humana", escreveu Gandhi, em um trecho do texto.
TRADUÇÃO DA SEGUNDA CARTA
"Caro amigo,
O fato de eu me dirigir a você como amigo não é nenhuma
formalidade. Eu não possuo inimigos. Minha ocupação na vida, nos últimos 33
anos, tem sido unir a amizade de toda a humanidade, tornando os homens amigos,
independentemente de raça, cor ou fé.
Eu espero que você tenha o tempo e a vontade de saber como uma
grande parte da humanidade que tem vivido sob a influência dessa doutrina da
amizade universal enxerga suas ações. Nós não temos dúvidas com relação à sua
bravura ou devoção à sua terra natal, nem acreditamos que você seja o monstro
descrito por seus oponentes. Mas seus próprios escritos e pronunciamentos não
deixam margem a dúvidas de que muitos dos seus atos são monstruosos e
incompatíveis com a dignidade humana, especialmente em relação a homens como
eu, que acreditam na amizade universal. Isso pode ser visto na humilhação da
Tchecoslováquia, no estupro da Polônia e na destruição da Dinamarca. Eu estou
ciente de que a sua perspectiva de vida vê tais espoliações como atos
virtuosos. Mas nós temos sido ensinados desde a infância a considerá-los atos
de degradação da humanidade. Por isso, nós não podemos desejar sucesso aos seus
empreendimentos.
Contudo, nossa posição é única. Nós resistimos ao Imperialismo
Britânico, que não é menor que o Nazismo. Se existe uma diferença, é no grau.
Um quinto da humanidade está sob o domínio britânico através de meios que não
serão tolerados. Nossa resistência a isso não significa um mal ao povo
britânico. Nós queremos convertê-los e não derrotá-los no campo de batalha. A
nossa revolta contra o domínio britânico é desarmada. Mas, quer nós o
convertamos ou não, nós estamos determinados a tornar o domínio deles
impossível através de uma não cooperação não violenta. É um método indefensável
em sua natureza. Ele é baseado no conhecimento de que nenhum espoliador pode
chegar ao seu objetivo sem um certo grau de cooperação, determinação e
compulsória da vítima. Nossos dominadores podem ter nossa terra e corpos, mas
não nossas almas. Eles podem ter a primeira ao destruir todos os indianos –
homens, mulheres e crianças. É verdade que tudo isso pode não se elevar àquele
grau de heroísmo e que um grau razoável de medo pode desanimar a revolta, mas
esse argumento seria irrelevante. Pois, se um número considerável de homens e
mulheres na Índia estaria disposto a sacrificar suas vidas a se ajoelhar diante
dos espoliadores, eles mostrariam o caminho da liberdade através da tirania da
violência. Eu peço que você acredite em mim quando eu digo que você encontrará
um número inesperado de homens e mulheres dispostos a isso na Índia. Eles têm
recebido esse tipo de treinamento pelos últimos 20 anos.
Nós estamos tentando desde a última metade desse século nos
livrar do domínio britânico. O movimento de independência nunca foi tão forte
quanto agora. A organização política mais poderosa, o Congresso Nacional
Indiano, está tentando chegar a esse objetivo. Nós alcançamos um nível de
sucesso bem razoável através da não violência. Nós estávamos buscando os meios
certos para combater a violência mais organizada do mundo, que é representada
pelo poder britânico. Você o desafiou. Ainda falta saber qual é o mais
organizado: o alemão ou o britânico. Nós sabemos o que o domínio britânico
significa para nós e para as raças não europeias do mundo. Porém, nós nunca
desejaríamos o fim do domínio britânico com o apoio da Alemanha. Nós
encontramos na não violência uma força que, se organizada, pode, sem dúvidas,
unir-se contra as forças mais violentas do mundo. Dentro da técnica da não
violência, como eu disse, não existe a derrota. Trata-se de um “viver ou
morrer” sem matar ou ferir. Ela pode ser usada praticamente sem dinheiro e,
obviamente, sem a ajuda da ciência da destruição, a qual você levou à
perfeição. É incrível para mim que você não veja que isso não é um monopólio de
ninguém. Se não forem os britânicos, algum outro poder certamente vai aprimorar
seu método e derrotá-lo com suas próprias armas. Você não está deixando nenhum
legado que trará orgulho ao seu povo. Eles não podem encontrar orgulho em um
recital de atos cruéis, por mais bem planejados que tenham sido. Portanto, eu
apelo a você, em nome da humanidade, que pare a guerra. Você não vai perder
nada levando todas as questões de disputa entre você e a Grã-Bretanha a um
tribunal internacional de sua escolha. Se você tiver sucesso na guerra, isso
não significa que você estava certo; isso irá apenas provar que o seu poder de
destruição era maior, enquanto uma concessão dada por um tribunal imparcial
mostrará, até onde é humanamente possível, qual parte estava certa.
Você sabe que, não muito tempo atrás, eu fiz um apelo a todos os
britânicos que aceitassem meu método de resistência não violenta. Eu fiz isso
porque os britânicos me conhecem como um amigo, embora eu seja um rebelde. Eu
sou um estranho para você e para o seu povo. Eu não tenho a coragem de fazer a
você o apelo que fiz para todos os britânicos. Não que isso não chegaria a você
com a mesma força que chegou a eles; no entanto, minha atual proposta é muito
mais simples porque é muito mais prática e familiar.
Nesta temporada, quando os corações dos povos da Europa anseiam
por paz, nós suspendemos até mesmo nossa luta pacífica. É muito pedir a você
que faça um esforço pela paz em um tempo que pode não significar nada para você
pessoalmente, mas que deve significar muito para milhões cujo grito emudecido
por paz eu escuto, pois meus ouvidos estão acostumados a escutar os milhões de
mudos? A minha intenção é dirigir um apelo conjunto a você e a Signor
Mussolini, quem eu tive o privilégio de conhecer quando estive em Roma durante
minha visita à Inglaterra como um representante da Round Table Conference. Eu
espero que ele a receba com as modificações necessárias."
Infelizmente, os apelos do indiano por uma resolução de
conflitos sem armas e violência, com o uso da chamada desobediência civil, não
fizeram sentido aos homens por trás das grandes potências e muito menos a
Adolph Hitler.
A partir de 1921, Gandhi liderou o movimento de independência
indiana através de métodos sem violência, e, finalmente, conseguiu a liberdade
do Império Britânico em 1947, seis meses antes de sua morte.
Esta matéria foi escrita por Italo Medeiros e revisada por Ana Maria.
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