Localizada no município de Santo Tirso, uma localidade bem pequena do norte
Portugal, a 40 minutos da cidade do Porto, a Escola da Ponte, conhecida pelo seu
caráter inovador ao abolir turmas fixas seriadas e as aulas expositivas, por exemplo, tem
na simplicidade também uma das suas marcas no cotidiano de seus cerca de 250
estudantes.
Em 31 de maio, última terça-feira, saí de Coimbra com destino à Escola da
Ponte para uma visita à escola. Essa visita guiada – e não poderia ser diferente – é
realizada sempre por um menino e uma menina ambos estudantes da escola. Nenhum
funcionário da escola veio falar conosco. E não seria mesmo de se achar isso estranho.
As cerca de 2 horas que eu e mais algumas pessoas passamos lá, a maioria de
brasileiros, foram todo o tempo coordenadas e orientadas por uma estudante chamada
Clara e um rapazinho chamado Vasco, ambos com cerca de 11 anos de idade.
A Escola da Ponte corresponde aos 2 últimos blocos de um total de 5
A autonomia dos estudantes exercida de maneira ativa no processo de
aprendizagem é a principal marca da Escola da Ponte. É uma escola na qual os alunos
são colocados em face de exercer, na prática, a democracia de maneira direta no seu
cotidiano. Nada mais justo, pois faria, ou faz, pouco sentido ensinarmos a importância
dos valores democráticos às nossas crianças e jovens na teoria e não permitirmos que
esta seja praticada no espaço da escola. Grade escolar prende; uniformes
descaracterizam; semanas de prova provam pouca coisa. A pequena escola do interior
de Portugal demonstra e simboliza que vale a pena enfrentar todos os desafios do
presente.
Na teoria e na prática não há turmas, nem séries, nem ciclos. Os alunos estão
divididos em três núcleos: iniciação, consolidação, aprofundamento. No início do ano
letivo estes escolhem as suas áreas de estudo de preferência e, após isso, selecionam um
professor tutor para lhes orientar nas atividades. Estas áreas estão relacionadas a
algumas dimensões, como: artística, linguística, identitária, lógico-matemática,
naturalista, pessoal e social. Outros grupos de trabalho vão sendo formados e desfeitos
ao longo do ano letivo de acordo com os temas propostos e com o entrosamento dos
estudantes entre si. A escolha dos conteúdos abordados dependem do que propõem os
alunos de acordo com suas necessidades.
Mais uma dentre as pequenas-grandes inovações que a Escola da Ponte traz é a
sua relação com o seu entorno, com a comunidade local e com as mães, pais e
responsáveis dos estudantes. Ambos são os maiores parceiros em potencial da educação
hoje. Mais do que ONG´s, associações, institutos e empresas, os pais e a comunidade
local têm na qualidade da educação recebida pelos estudantes o seu maior objetivo. A
Associação de Pais é uma das instituições responsáveis, de fato, por gerir a escola. Junto
desta Associação de Pais há também uma Assembleia dos Estudantes, autônoma e
soberana em suas decisões, sem a participação de responsáveis, funcionários ou
professores e composta necessariamente de uma aluna ou aluno de cada turma, tendo
que que obedecer o critério de 50% de meninas e 50% de meninos no total dos
representantes.
Os estudantes também escolhem, individualmente, um membro da comunidade
escolar, dentre professores e funcionários, para ser seu colaborador (tutor) nos processos
de ensino e aprendizagem, em nível comportamental e também para ajudar a decidir a
melhor maneira de avaliar a assimilação dos conteúdos de tudo o que foi sendo
desenvolvido ao longo do ano. E para uma série de tarefas são formados grupos de 4
estudantes que agem de forma colaborativa entre si.
Colaboração entre os alunos no processo de aprendizagem
A Escola da Ponte também não possui paredes entre o que seriam as salas de
aula. Isso mesmo: são divisórias móveis que podem ser abertas ou fechadas de acordo
com as necessidades da atividade proposta àquele momento, sendo que uma das
divisórias está todo o tempo aberta para permitir a circulação dos professores entre os
mais diferentes grupos de alunos.
José Pacheco, o educador português idealizador e fundador da Escola da Ponte
vive hoje no Brasil indo atrás e apoiando as iniciativas inspiradas na pequena escola do
interior de Portugal. Influenciado pelos maiores pensadores em educação do Brasil,
como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire, Pacheco reconhece que o Brasil é
um vasto campo de experimentação e de novidades em educação, mas que ainda
enfrenta a burocracia das secretarias de educação e do MEC. (Clique aqui para saber mais)
Prof. José Pacheco
Por fim, cabe chamar atenção, ainda, para o fato de que a educação básica em
Portugal está a cargo do governo central do país, o que no Brasil falaríamos Governo
Federal. É claro que o país europeu possui inúmeros problemas e desafios a serem
enfrentados – talvez o principal hoje seja a baixa taxa de natalidade que tem feito com
que algumas escolas do interior não consigam sequer abrir novas turmas devido à baixa
e às vezes, nenhuma procura. Entretanto a qualidade da escola onde uma criança
portuguesa irá estudar depende pouco ou quase nada do código postal (CEP) de onde
ela nasceu! Por serem de responsabilidade do governo central, a estrutura das escolas
tem garantido um padrão mínimo de qualidade, bem como há um plano de carreira
unificado para os professores. No Brasil, a educação básica – Ensino Fundamental e
Ensino Médio – estão a cargo dos governos municipais e estaduais, respectivamente, o
que gera uma desigualdade muito grande entre uma escola e outra. Antes, e mesmo
concomitantemente a uma grande reforma curricular e de uma revolução no padrão de
ensino tal qual é o que nos traz a Escola da Ponte, o Governo Federal deveria ser o
grande garantidor, em nosso país, deste padrão mínimo de qualidade da estrutura das
escolas e de um plano nacional de carreira docente que atraísse mais pessoas, dentre as
mais qualificadas, para o professorado. (Clique aqui para saber mais).
Todos os educadores e estudantes já gostam da Escola da Ponte antes mesmo de
conhecê-la. Tudo o que ela simboliza e representa nos traz mais ânimo para continuar
acreditando no poder transformador que a educação pode e deve ter na vida das pessoas.
Muitas famílias de outras partes de Portugal se mudam para Santo Tirso para matricular
seus filhos na Escola da Ponte. Mas o ideal é que todas essas inovações estejam cada
vez mais perto e acessíveis a cada um de nós. A Escola da Ponte deve se ser entendida
cada vez menos como um espaço físico e mais como um jeito de ser e de fazer a
educação, de fato, acontecer. Se educadores brasileiros, com suas ideias, inspiraram de
algum modo a sua criação, desejamos que hoje ela inspire as transformações que a
educação brasileira tanto necessita. A Escola da Ponte antecipa o futuro. Vamos
partilhar cada vez mais essas boas ideias. Uma hora elas se tornam realidade.
Matéria feita por Prof. Leonardo Almeida
Professor no Intercultural Brasil-Estados Unidos e atualmente estudando na Universidade de Coimbra em Portugal