"AdolescĂȘncia" - Yasmim Freitas


Uma coisa engraçada da adolescĂȘncia Ă© que, apesar de ser possivelmente a Ă©poca mais rica em transiçÔes, revoluçÔes e reviravoltas que qualquer um de nĂłs chega a ter na vida, jĂĄ que nĂŁo apenas nĂŁo temos o controle de muitas das coisas que nos acontecem (quando se tem 16 anos nĂŁo se pode escolher a casa onde se mora, o colĂ©gio onde se estuda, o curso de inglĂȘs que se faz ou que fotos suas vĂŁo ou nĂŁo ser exibidas quando as visitas chegam na sua casa) como tambĂ©m estamos num momento de diversas transiçÔes pessoais (emos viram grunges, que viram hipsters, que viram metaleiros, que viram pagodeiros, que resolvem mudar o nome pra um sĂ­mbolo como se fossem o Prince), ela consegue ser ao mesmo tempo a Ă©poca das decisĂ”es mais contundentes, das opiniĂ”es mais fortes, das convicçÔes mais firmes.

Conhecemos uma banda e temos certeza que ela vai ser a nossa favorita pra sempre, comemos um prato e nĂŁo duvidamos em nada que poderĂ­amos viver sĂł daquilo pra vida toda, fazemos amigos e temos certeza que eles vĂŁo estar ao nosso lado atĂ© no nosso leito de morte, vamos numa festa americana e concluĂ­mos que qualquer possibilidade de felicidade que a gente venha a ter reside na Fernandinha da 7ÂȘA e nenhuma outra garota nunca mais fazer com que a gente se sinta como no dia daqueles amassos no fundo do pĂĄtio. NĂŁo que gastemos muito tempo nisso, mas temos um senso de convicção pessoal de tudo que nos cerca que nunca mais vamos conseguir ter de volta, jĂĄ que crescer envolve basicamente sair do mundo dicotĂŽmico em que “a minha turma Ă© legal e a outra turma Ă© composta apenas por babacas” para o mundo cheio de tons de cinza no qual vocĂȘ precisa entender que a sua turma erra, a outra turma tem lĂĄ suas motivaçÔes e no final todo mundo vai ter que pagar os mesmos 27,5% de imposto de renda, fora o que Ă© retido na fonte, nĂŁo dĂĄ pra fugir.

E Ă© mais ou menos nesse perĂ­odo que entram nas nossas vidas as mĂșsicas tristes. Afinal, numa Ă©poca em que cada fora Ă© um coração partido, cada “nĂŁo” Ă© um rejeição pessoal que nunca vai ser superada – ao menos nĂŁo atĂ© domingo que vem – e cada volta pra casa de mĂŁos dadas ou beijo roubado atrĂĄs de um armĂĄrio no corredor Ă© o inĂ­cio de um romance Ă©pico que atravessarĂĄ os tempos – ao menos atĂ© a prĂłxima quarta – começamos a sentir falta de uma trilha sonora que represente isso, que embale os momentos de fossa imatura, que possa fazer fundo pras horas deitado na cama pensando em porque ela disse nĂŁo e se isso significa realmente que sua vida pessoal terminou antes do segundo grau começar.

E ainda que todos tenham as suas preferĂȘncias de fossa, que podem ir desde Radiohead atĂ© BeyoncĂ© (algumas fossas sĂŁo mais animadas que outras, nĂŁo vamos julgar), eu sempre achei que poucas bandas representavam mais a fossa adolescente, a fossa de base, a fossa de raiz, a fossa de pĂ©s descalços cujo grande sinal de depressĂŁo era se trancar no quarto, nĂŁo jantar direito e ficar totalmente desconcentrado na hora de jogar international superstar soccer deluxe (“au-au”) com os amigos do que Travis. E mesmo no padrĂŁo Travis de fossa adolescente, que ofereceu petardos como “Why does it always rain on me”, o tĂ­tulo de canção mais depressivo da histĂłria; ou “The humpty dumpty song”, a Ășnica mĂșsica que me faz lacrimejar apenas de escrever seu tĂ­tulo (sĂ©rio), acho que nenhuma chega perto de “Writing to reach you”.

NĂŁo sei bem se pelo ar de canção escrita no quarto durante as fĂ©rias, se pela autopiedade sem nenhum traço de ironia, se pelo refrĂŁo que consiste numa grande sequĂȘncia de negativas (“cause I’m writing to reach you now/but i might never reach you/only want to teach you about you/but that’s not you”) ou se pela sensação geral que todas as cançÔes do Travis passam de que ninguĂ©m na banda nunca foi ou serĂĄ feliz e que o mundo Ă© um lugar frio, cruel, onde as mulheres sĂŁo mĂĄs, os caras sĂŁo bullies e todos nĂłs vamos passar a manhĂŁ inteira no ponto, debaixo de chuva, porque nossos ĂŽnibus nunca vĂŁo chegar, mas existe algo nessa mĂșsica que pra mim resume tudo de hiper-dramĂĄtico que apenas as fossas adolescentes (e as fossas que algumas pessoas adultas tem como se ainda fossem adolescentes) conseguem ter.

Mas a verdade Ă© que nunca mais, depois de adultos, conseguimos realmente ser de novo assim. Ainda ficamos tristes, claro, ainda curtimos fossas, com certeza, ainda sofremos pelas coisas e ainda temos domingos chuvosos nos quais simplesmente nĂŁo queremos sair da cama, mas existe sempre aquele toque de auto-ironia, aquela pegada de “ok, nĂŁo Ă© tĂŁo sĂ©rio assim”, aquele quĂȘ de “na boa, ninguĂ©m aqui tem 15 anos, levanta”. A gente acaba crescendo e, entre as coisas que a gente acaba deixando pra trĂĄs, estĂĄ a capacidade de se sentir real e exatamente como em mĂșsicas feito “Writing to reach you”. A nĂŁo ser, Ă© claro, que vocĂȘ seja o Leoni. Porque sĂ©rio, eu imagino que esse cara se sinta assim todos os dias. NĂŁo deve ser fĂĄcil.

Texto feito por Yasmim Freitas, revisada por JoĂŁo Marcos